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Legado da mulher imigrante – “Das honn ich von meiner Mama”

“[…] sie pflanzte und nährte zuerst
den Keim des Gutes in mir;
sie öffnete mein Herz den Eindrücken der Natur;
sie weckte und erweiterte meine Begriffe;
und ihre Lehren haben einen immerwährenden
Einfluss auf mein Leben gehabt.”

Immanuel Kant, o grande representante do Iluminismo alemão, sobre sua mãe: “[…] ela plantou e alimentou primeiro o bem em mim; ela abriu meu coração para as percepções da natureza; ele despertou e ampliou meus conceitos; e seus ensinamentos tiveram influência eterna na minha vida.”

A professora Ingrid M. Tornquist, em sua conclusão de doutorado, “Das honn ich von meiner Mama”, revela diversos aspectos da mulher/mãe imigrante. Sobre a mulher imigrante enquanto escritora de cartas, de narradora, de mãe. Sobretudo sobre seu papel primordial na transmissão da cultura e dos valores.

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Em suas pesquisas, em materiais didáticos e nos Kalender, Tornquist não encontra registros negativos sobre a mãe, nem nas entrevistas com descendentes. A mãe é sempre lembrada em seus aspectos positivos. Ela é apresentada como dedicada, amorosa, incansável, provedora, protetora diante de perigos, fiel, esperançosa.

A mulher imigrante era muito mais do que mãe ou guardiã da família. Ela trabalhava em tudo quanto suas mãos eram requeridas. Seja no lar, na horta, na roça. No cultivo da terra, trabalhava de igual para igual com o marido. O fundador de Blumenau defendia a importância de o imigrante vir ao Brasil na companhia de uma mulher corajosa e parcimoniosa; que o trabalho na terra para um homem solteiro estaria fadado a não florescer. (Algemeinen Auswanderungs-Zeitung, 1853).

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À mulher alemã, destemida e trabalhadora, se atribui muito do êxito das famílias imigrantes. Volto meu olhar para o meu passado, percebo o quanto minha família, minha Mama e, principalmente, minha Wowa guardavam em si muito dessa mulher imigrante, forte e trabalhadora.

Do quanto depositaram as sementes da cultura dos antepassados em minha alma – valores da educação do olhar atencioso para com todas as vidas na natureza. Foram elas as transmissoras da crônica familiar, dos cantos, das orações, de histórias, de muitos conhecimentos, entre os quais cito os referentes à culinária e ao emprego de ervas e temperos. Entre tudo quanto me passaram, a língua alemã foi o mais valioso dos seus bens.

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Em ano de jubileu da imigração alemã, eu estendo esta pequena homenagem à mulher imigrante a todas as mulheres na passagem do Dia Internacional da Mulher. Que depositem na alma de seus filhos as sementes do bem; que saibam cultivar neles raízes e asas. Tudo o que for nutrido no coração e no espírito dos pequeninos influenciará suas vidas para sempre.

Sie lehrte dich den frommen Spruch; sie lehrte dich zuerst das reden;
Sie faltete die Hände dein und lehrte dich zum Vater Beten;
Sie lenkte deinen Kindersinn, sie wachte über deine Jungend.
Der Mutter dank’s nächst Gott allein, wenn du noch gehst den Pfad der Tugend!

(Excerto de poema de Wilhelm Kaulisch)

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Ela te ensinou o devoto dito; ela te ensinou primeiro a fala;
Ela uniu tuas mãos e te ensinou a rezar ao Pai;
Ela conduziu teu espírito infantil, ela velou tua juventude.
À mãe e a Deus sejas grato, se ainda trilhas o caminho da virtude.

Assim, crescemos na companhia diária da Wowa Lidia, ouvindo histórias, rezando diariamente, aprendendo cantos antigos que ela cantava conosco de mãos dadas em caminhadas, em cantoria de roda ou durante as lides na terra: Kommt ein Vogel geflogen … Es war einmal, ein treuer Husar …, Muss’i denn, muss’i denn … ., Wenn der Topp (Topf) aber ein Loch hat, lieber Heinrich, lieber Heinrich, stopp zu (stopf zu), liebe, liebe Liese, liebe Liese stopp zu. Enquanto com ela fazíamos bolachinhas ou cuca, cantávamos Backe, backe Kuchen, der Bäcker hat gerufen, … .

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Os cantos conferiam leveza aos afazeres diários. Aqui, registro a primeira estrofe de uma entre as muitas de que mais gostava e gosto: Am Brunnen vor dem Tore, composta por Franz Schubert, que viveu entre 1797 e 1828.

Am Brunnen vor dem Tore,
da steht ein Lindenbaum,
ich träumt in seinem Schatten
so manchen süβen Traum.
Ich schnitt in seine Rinde
so manches liebe Wort.
Es zog in Freud und Leide
zu ihm mich immer fort,
zu ihm mich immer fort.

Muito da crônica familiar conheci pelas histórias contadas pela Wowa Lídia. Muitas delas narradas quando as lides do dia cessavam, a janta fumegava nas panelas e o fogão a lenha aquecia a água para nossa lavação diária. Com ela íamos também aos cemitérios levar flores, sempre cultivadas em grandes canteiros na frente da casa. Diante de cada túmulo que enfeitávamos, fazia algum comentário, reavivava alguma lembrança do falecido.

Gostava de mostrar antigas fotografias e para cada uma tinha uma história a contar sobre os entes presentes na foto. Em sua foto de casamento, ela aparece com um longo vestido preto e um véu longo e branco. Diante nosso olhar de estranhamento e inquiridor sobre o preto do vestido, ela dizia: “Es gehörte sich so, es war Brauch.”

Wowa era daquelas pessoas que ensinavam mais pelo exemplo. Era de fala mansa, seu tom sempre era o de conversa. Não era muito de repreender, era mais afeita a ensinar pelo exemplo, a mostrar o certo e, para isso, também gostava de se valer de ditos populares que sempre repetia, quando achava necessário. Muito a Wowa me ensinou com esse seu método.

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Wowa era diligente, não gostava de deixar nada para depois. Isso também fazia nos lembrar quando não estávamos com vontade de fazer algo que nos havia sido delegado e empurrávamos para mais tarde: Morgen, Morgen, nur nich heute, sagen alle faule Leute – deixar para amanhã era prática das pessoas preguiçosas. Quando nos demonstrávamos descontentes com o que tínhamos ou recebíamos, ela dizia: Wer das Kleine nicht ehrt, ist das Groβe nicht wehrt – quem não honra o que é pequeno, não merece o que é grande; para aprendermos a ser parcimoniosos, alertava-nos contra o desperdício: Spare in der Zeit, dann hast du in der Not – poupa quando tens e terás quando precisares.

Assim, aprendíamos desde pequenos a nos servirmos somente daquilo que efetivamente iríamos comer; aprendíamos a não deixar restos de alimentos no prato, por exemplo. Pão era alimento sagrado, jamais pão poderia ir para o lixo. Em ano de celebrações dos 200 anos da Imigração Alemã no Brasil e dos 175 anos em Santa Cruz, um pouco de luz sobre o papel da mulher.

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