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Educação

Pandemia tem exigido de alunos e professores novas formas de aprendizado

Há pouco mais de um ano, não são ouvidas risadas pelos corredores, alunos não ajudam os professores com as tarefas na lousa. Há meses os abraços cessaram. A pandemia da Covid-19 mudou o cotidiano em todo o mundo e, sem pedir licença, afastou quem gosta de estar junto. Professores e alunos formam uma conexão poderosa e é na relação próxima, de troca contínua, que ensinam e aprendem uns com os outros. Esse é o poder da educação, transformar realidades, mas ela própria foi transformada, e a preparação para isso continua em curso.

Para prevenir-se do vírus, a suspensão das aulas presenciais nas escolas públicas e particulares vem mostrando a existência de desigualdades, que muitas vezes passavam despercebidas dos olhos da sociedade. Tais disparidades ocorrem, especialmente, com relação ao alcance da tecnologia, seja por questões financeiras, agravadas pela pandemia, ou ainda, pela menor taxa de conectividade no interior.

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Buscando entender a realidade de alunos e professores na região Centro-Serra, a reportagem da Gazeta da Serra entrou em contato com alguns personagens que fazem parte do contexto do ensino regional. Este não é um panorama completo de todos os educandários, mas um recorte que nos ajuda a visualizar os desafios e adaptações pelas quais passam estudantes e docentes.

Neste contexto, para dar seguimento ao ano letivo em 2020 e agora, em 2021, municípios e Estado têm buscado alternativas para minimizar os efeitos provocados pelo distanciamento social e manter o aprendizado. A forma encontrada por parte das redes municipais de ensino foi a entrega de atividades impressas, com a busca das tarefas pelos pais ou responsáveis diretamente nas escolas, ou ainda, para quem reside no interior, a entrega via transporte escolar.

Já na rede estadual, aulas estão ocorrendo, na maioria das escolas, de forma síncrona, por meio de plataforma online. Para quem não possui acesso à internet, as atividades também são entregues impressas. Em ambas às redes, os contatos para orientações têm ocorrido através de grupos no WhatsApp e demais ferramentas.

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Estudantes

A realidade da Estefania Friedrich, aluna do 9º ano da E.M.E.F Luiz Augusto Colombelli, de Ibarama, é um tanto diferente da realidade da Camila Giovana Puntel e da Marina Schuster Costa também estudantes do 9º ano, mas na E.E.E.F. Lindolfo Silva, em Sobradinho. Enquanto Estefania recebe as atividades impressas em casa, na localidade de Linha 8, Camila e Marina participam de forma on-line das aulas, através do aplicativo Google Meet, com auxílio também pelo Google Sala de Aula e WhatsApp.

Entre Camila, que mora em Linha Carijinho, e Marina, moradora do Centro de Sobradinho, as diferenças são menores. Enquanto a primeira utiliza o celular e internet com sinal de qualidade (o que não ocorre em boa parte das residências no interior), e busca, por iniciativa própria, algumas atividades impressas, a segunda possui também acesso ao computador para realização das tarefas. Contudo, isso não significa que os desafios não estejam presentes.

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Para Camila, o acúmulo de matérias representa uma dificuldade, pois diz ficar sem saber por onde começar. De qualquer forma, “poder ver, falar e debater o conteúdo com os professores na aula on-line, faz eu me sentir na escola”, revelou a menina.

Enquanto isso, para Marina, “um dos maiores desafios é a falta presencial do auxílio dos professores para realização das tarefas”. Mesmo assim, a jovem acredita que é possível manter o aprendizado, tendo para isso, auxílio de outros meios, como livros e mídias sociais, além do acompanhamento mais próximo da família, a qual lhe serve de auxílio e motivação.

Retornando à realidade da Estefania, mesmo tendo computador, celular e acesso à internet em sua residência no interior de Ibarama, a estudante revelou estar com algumas dificuldades na absorção do conteúdo. Para além do material impresso, a jovem busca sanar algumas dúvidas pelo WhatsApp e, às vezes, diz ter aula online na disciplina de matemática, “mas não é a mesma coisa que na escola”, completou.

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De acordo com a Secretaria Municipal de Educação de Ibarama, os professores possuem grupos das turmas no WhatsApp, onde mantém contato com os alunos, repassando recados e vídeos de conteúdo. Muitos estudantes, contudo, não possuem acesso ao aplicativo, ficando somente com o material físico distribuído pelos diretores nas localidades.

Foto: Arquivo PessoalEstefania Friedrich
Estefania Friedrich

Quem também possui algumas restrições no ensino são os irmãos Thayna e Erick Dias Bilhan, do 3º e 7º anos do ensino fundamental, respectivamente, alunos na Escola Lindolfo Silva e moradores do bairro União, em Sobradinho. Segundo o pai das crianças, Rodrigo Lima Bilhan, as atividades são buscadas e, após feitas, entregues na escola, pois na casa possuem apenas o telefone do pai, o qual não conta com acesso à internet.

A situação financeira da família, segundo ele, se tornou agravada com a pandemia e a dificuldade de conseguir emprego também, uma vez que Bilhan trabalha de forma autônoma. Mesmo com as dificuldades, as crianças são sonhadoras e recebem o incentivo dos pais, que buscam auxiliá-los na resolução das tarefas. “O fato de não estar de corpo presente na escola, não muda o fato de a escola estar em nós. O compromisso de aprender é meu”, pontuou Eryck.

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Foto: Arquivo PessoalErick Bilhan
Erick Bilhan
Foto: Arquivo PessoalThayna Bilhan
Thayna Bilhan

Na rede particular, no Colégio Sagrado Coração de Jesus, de Arroio do Tigre, a estudante Laura Calliero, do 8º ano, diz ter todas as aulas de forma online, nas quais, de sua residência em Sobradinho, consegue interagir com colegas e professores. “Podemos falar ou escrever para contribuir com o conteúdo, expressar nossas opiniões, tirar dúvidas, entre outros”.

Segundo ela, a maior parte das aulas ocorrem ao vivo e os professores se mantém conectados para auxiliar em outros momentos. “Quando surge algum problema de acesso à rede, entro em contato com os professores, que sempre são muito atenciosos, explicam em particular as atividades”.

Foto: Arquivo PessoalLaura Calliero
Laura Calliero

No caso de colegas que possuem dificuldades com acesso, a jovem comentou que, estando fora da bandeira preta, é possível fazer uso dos computadores e rede disponibilizados no Colégio, seguindo as regras de prevenção à Covid-19. Atividades impressas, para estes, são enviadas apenas quando em bandeira preta. “A inexistência da presença física é o maior desafio”, pontua.

As práticas e dinâmicas realizadas em grupo fazem falta no dia a dia da estudante. “Percebo que o Colégio está realizando as aulas de forma muito satisfatória, procurando deixar todos o mais confortável possível, atendendo os pedidos e sempre aberto a sugestões, isto ajuda a superar os desafios deste momento”, reforçou a aluna. Para ela, mesmo o ensino sendo diferente do presencial, a dedicação e comprometimento são essenciais para uma aprendizagem de qualidade.

Os estudantes foram unânimes em reforçar a importância da educação em suas vidas, a relevância dos professores e equipes escolares nesta trajetória e a força de vontade que ambos possuem para alcançar o aprendizado. Eles consideram o ensino um mecanismo de oportunidades, de inclusão e perspectivas para o futuro.

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A um pulo do Enem

As adaptações e novas configurações da educação em meio à pandemia, atingiram todos os níveis de ensino. Para Camila Stéfani Dalberto, 17 anos, moradora de Lajeado Sapopema, interior de Passa Sete, há um quesito a mais: o ENEM que se aproxima. Estudante do 3º ano do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Médio Cristo Rei, Camila comentou que no início do isolamento social, por acreditarem que as coisas se resolveriam de forma mais breve, as atividades foram sendo feitas de forma física, através da busca e entrega dos materiais na escola. Logo depois, segundo ela, houve a oportunidade de serem feitas online, para aqueles que conseguiam ter acesso à rede. Os moldes das aulas seguiram o formato das demais instituições estaduais, com aulas online e, na impossibilidade destas, em material impresso.

Na localidade em que a jovem mora, o sinal de telefonia não costuma ser dos melhores e, com isso, o acesso à internet também era muito ruim. “Em 2020, quando começaram as aulas apenas em casa, as pesquisas iam aumentando e eu queria ir além do que tinha nos livros”.

Com uma internet de qualidade, novos recursos poderiam contribuir no aprendizado. Para isso a família de Camila solicitou a instalação de uma torre próximo a sua residência. “Enquanto aguardava, eu consegui comprar meu notebook e ia na casa de minha avó, tios ou primos, fazer as pesquisas necessárias. Salvava tudo em pastas. Assim, quando chegava em casa era só retirar o que eu precisasse. Foi assim até metade de junho, quando finalmente a internet chegou dentro de minha casa”, contou ela, reforçando que o sinal permanece apenas razoável, devido a problemas com a energia elétrica e recorrentes temporais. Fator este que faz com que às vezes ela perca aulas virtuais, mas às quais consegue acesso posteriormente.

Um dos maiores desafios, segundo Camila, tem sido manter o foco, uma vez que, estando em casa, há outros afazeres. A jovem se prepara para realizar o Enem e através dele busca uma oportunidade no ensino superior. “Quero dar meu máximo, pois sonho com a faculdade gratuita”, revelou. Para isso dedica algumas horas a mais para assistir a videoaulas preparatórias.

Porém, Camila diz estar consciente de que assim como ela, muitos estudantes passam por dificuldades na compreensão de alguns conteúdos. “O fato dos meus pais não terem estudo, pois precisavam trabalhar, me serve de motivação para estudar e fazer a diferença em minha própria vida e na de outras pessoas”.

Curiosidade
Por residir na zona rural, Camila costuma auxiliar na produção de fumo em corda. Na propriedade também há outros cultivos e criação de animais. E por falar em bichinhos, a jovem tem alguns companheiros para o estudo. Em determinadas aulas quem gosta de dar uma “palinha” é o galo, que passa o tempo cantando, como se quisesse também aparecer. “Não repara se tu escutar som de galinhas, gatos, cachorros, trator, porque aqui é assim. Esses dias, estava em aula e o galo não parava e eu falei: gente vocês já estão acostumados, né”, recordou Camila enquanto gravava um áudio para nossa reportagem.
 

Foto: Arquivo PessoalCamila Stéfani Dalberto
Camila Stéfani Dalberto

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Professores

“Nossa casa passou a ser a casa do aluno”. A frase é da professora Marta Bernadete Tavares, a Martinha, pedagoga na E.M.E.F. Borges de Medeiros e também na E.E.E.F. Lindolfo Silva, em Sobradinho. Os 26 anos de experiência como professora do município, 20 anos na rede estadual e 12 anos como tutora no Polo Regional de Ensino, a permitem dizer que a escola foi, entre os distintos segmentos da sociedade, a última a instaurar o uso da internet e ferramentas digitais de forma efetiva.

Segundo a educadora, o acesso à internet ainda pode ser considerado como um privilégio, uma vez que não são todos os alunos que possuem este, e nem mesmo outros recursos mais simples. Desta forma, a proposição de atividades do ano passado para cá precisou ser pensada de forma a englobar todos. “Já trabalhávamos com vídeos, com experiências mais tecnológicas, mas não desta forma”, relatou a educadora, que diz haver um acompanhamento via coordenadoria regional de educação, através de formações especiais, para atender os alunos da rede estadual neste novo formato de ensino.

Na rede municipal, segundo Marta, as atividades são entregues aos responsáveis e, antes da bandeira preta, ocorriam plantões para explicação do conteúdo e sanar dúvidas. O mesmo aplicativo da rede estadual (Google Meet) está sendo implementado em aulas pelo menos uma vez por semana. Com os estudantes do interior, além da entrega via transporte escolar, o contato se dá por telefone, quando necessário.

Entre os desafios apontados pela professora, está também o fato de muitos professores não conhecerem seus alunos. Isso ocorre, pois com a mudança de série, os professores também já não são os mesmos do ano anterior. As adaptações para professores e alunos seguem em andamento, uma vez que, já tinham uma ideia pelo ano passado e agora precisaram de novos ajustes.

Conforme a pedagoga, a demanda de preparação da aula é maior, precisam ser criativos e costumam, ainda mais, se colocar no lugar do aluno: ele está sozinho, como vai fazer? Vai saber usar as ferramentas? Qual o retorno de tudo isso? “Toda mudança causa rupturas. Há uma busca constante do professorado por melhorias, estamos batalhando para fazer o melhor”, o que, segundo ela, vem ocorrendo em todas as redes.

Apesar dos desafios, Marta acredita que as novas tecnologias serão cada vez mais utilizadas. “Não vamos voltar ao antigo normal. O ensino híbrido veio para ficar”, pontuou. A modalidade de ensino híbrido, com parte das aulas de forma remota e outra, presencialmente, deve ser retomada a partir de definições do governo, seguindo Decretos Estaduais.

Já com os alunos do ensino médio, a professora Alexandra de Fátima Possebon, da E.E.E.M. José Luchese, de Lagoa Bonita do Sul, percebe que a maior dificuldade é motivá-los a participar, interagir para tirar dúvidas e entregar as atividades no prazo estabelecido.

Segundo ela, essas situações revelam estudantes com perfis e interesses diferentes: “Há os mais participativos e preocupados com o aprendizado; os que ingressaram no mercado de trabalho e outros que auxiliam a família nos afazeres da lavoura, mas continuam participativos e preocupados; e, há aqueles que não dão a devida importância ao aprendizado, esses temos que literalmente ‘correr atrás’, o que gera certa frustração no educador”.

Ainda, segundo ela, o ensinar no contexto atual está mais desafiador, inclusive no que diz respeito ao planejamento das aulas. Antes eram feitos diariamente/semanalmente, por serem presenciais. “Hoje, temos que preparar aulas para 30 dias e pensar em contextos e estratégias diferentes para atender a todos os estudantes: aqueles sem acesso à internet; aqueles com necessidades especiais; e o que participa das aulas online”.

Conforme a professora, o conteúdo é o mesmo, porém, as estratégias pedagógicas variam. “No impresso os recursos são mais limitados, e via online as estratégias podem ser diversificadas, utilizando-se várias ferramentas”. A educadora destaca, contudo, que os recursos digitais exigem mais tempo dos professores para aprender manuseá-los e ensinar aos estudantes que ainda não os dominam.

O momento, para ela, é de preocupação por parte dos educadores. “A nossa rotina mudou muito. O fato de não estarmos presencialmente com nosso aluno é angustiante, pois não sabemos o quanto ele aprendeu. Ao receber as atividades prontas, temos um pequeno diagnóstico. Espero que esse momento passe para retornarmos às aulas presenciais, e assim possamos sanar as lacunas que ficaram na aprendizagem”.

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Participação das famílias

Os gestores e professores das escolas têm ressaltado à importância da participação efetiva dos pais/responsáveis na aprendizagem dos filhos. Para isso, os educandários têm encontrado no WhatsApp e demais ferramentas digitais, formas de estabelecer um contato mais próximo com estes. Conforme a professora Marta, a conexão escola-alunos-família é fundamental para o desempenho dos estudantes, especialmente no momento vivenciado.

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