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RIO PARDO

Prédio histórico que hospedou Dom Pedro II é restaurado e abrigará restaurante

Restauração manteve as características externas originais, inclusive com o resgate das cores mais próximas da época da construção do imóvel

Restauração manteve as características externas originais, inclusive com o resgate das cores mais próximas da época da construção do imóvel | Fotos: Matheus Zarpellon/Divulgação/GS

Um dos prédios mais significativos do patrimônio histórico de Rio Pardo voltará a ser um cartão-postal na cidade e ponto de referência turística com a reabertura para uso a partir da segunda semana de junho, após passar por processo de restauração. O antigo Solar dos Panatieri, com construção datada de 1798, foi adquirido no início de 2020 pelos empresários Cláudio Mattana, Carlos Antonio de Souza e Sadir dos Santos Garcia. O imóvel estava em precárias condições, com o telhado caído e semidestruído. A reforma, concluída em março deste ano, devolveu a sobriedade a um dos prédios locais mais antigos e de importância histórica, localizado no alto da Rua da Ladeira, na esquina com a Andrade Neves.

A origem do sobrado é um mistério devido à falta de documentação da época. No entanto, conforme a historiografia das colônias portuguesas na América, a narrativa mais coerente é de que o prédio pertencia a algum militar ligado ao Forte Jesus Maria José. O uso do andar térreo para comércio ou alguma repartição pública/militar era comum na época do Brasil colônia, enquanto a parte superior era utilizada como residência. O primeiro proprietário documental foi o juiz Abílio Álvaro Martins Castro, que abrigou D. Pedro II em sua segunda passagem por Rio Pardo, em 1865, para um encontro com os governos da Argentina e Uruguai por causa da Guerra do Paraguai.

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A ideia da aquisição e a restauração, conforme Cláudio Mattana, surgiu diante da importância histórica e da beleza do prédio, bem como o interesse de empresas na locação de espaço no centro da cidade. A edificação consta nos bens inventariados do patrimônio histórico de Rio Pardo. A reforma manteve as características externas originais, inclusive com o resgate das cores mais próximas da época da construção. As aberturas precisaram ser trocadas, mas com modelos iguais às originais. Apenas na parte interna houve adequações, pois existiam seis divisórias, com peças pequenas, além de haver o reforço na estrutura, com projeto elaborado pela arquiteta Vera Schultze.

O prédio será reaberto ao público com o início das atividades no local de uma casa gastronômica. Dessa forma, o casarão passa a ser uma nova referência de reuso de imóveis antigos na cidade, com a garantia de sua preservação, fundamental para proteger a memória e o passado, como herança para as gerações futuras. Mattana destaca que o solar traz boas possibilidades de agregar no setor turístico, pois será um ponto de visitação inclusive ao domingos, quando lugares como os museus costumam estar fechados.

Uma nova ocupação para um dos pontos mais nobres da cidade

Um dos ícones do patrimônio histórico de Rio Pardo voltará a ganhar vida na segunda semana de junho. Fechado há mais de uma década, o antigo Solar dos Panatieri reabrirá as portas depois de mudar de proprietário e das obras de restauração. O lugar onde se hospedou D. Pedro II durante a sua passagem pela cidade em 1865 agora vai se tornar um espaço gastronômico, cultural e artístico para todas as gerações, sob a administração do Seu Domingos: Gastronomia e História, Pub e Pizzaria. Após a inauguração, o local abrirá às 18h30, com fechamento da cozinha às 23h30.

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Proprietários do novo empreendimento, Lucas Faleiro Silveira, 30 anos, entusiasta da gastronomia, e a esposa Stephanie Della Giustina, 28 anos, formada em História pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), afirmam que cresceram em meio à arquitetura açoriana da Rua da Ladeira, tomando banho nos rios Pardo e Jacuí e, como qualquer criança do município, deleitando-se no imaginário lendário ao ouvir as histórias de seu passado, visitando museus e igrejas históricas, como a Matriz e a São Francisco. Por isso, o sonho de Lucas e Stephanie é devolver vida ao antigo Solar dos Panatieri, em um dos pontos mais nobres da cidade, ao lado da antiga Prefeitura, prédio também em processo de restauração.

Além de um restaurante noturno, os proprietários pretendem transformar o lugar em casa cultural para atender o turista, ter loja de souvenirs das artesãs locais, com a inclusão de literatura temática e artesanato açoriano. Por sugestão da arquiteta Vera Schultze, as paredes internas foram descascadas para que os visitantes possam ver como o prédio foi construído, no final dos anos 1790, com pedras.

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O plano é abrir o espaço ainda neste ano também para almoço diário e café da tarde, com o original sonho de Rio Pardo, que será feito na casa. “O Seu Domingos vem para suprir muitas demandas que faltam na cidade, a valorização da história, fomento ao turismo e à arte, tornando-se uma parada obrigatória para quem passa na região”, afirma Stephanie.

O novo empreendimento irá ocupar 100% do sobrado histórico, dividindo a operação em três partes. O entorno do prédio, com a vista do Centro, para a Prefeitura velha em reforma, Rua da Ladeira e Igreja Matriz, contará com mesas para apreciação do espírito histórico, com a possibilidade de consumir qualquer opção do cardápio.

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No interior do prédio, no nível térreo, haverá o salão principal. Esse espaço terá um bar com barmans especializados em drinks clássicos, caixa, banheiros com acessibilidade, cozinha, elevador e escadaria, que contará com uma galeria de fotos de Rio Pardo, sob o olhar do fotógrafo rio-pardense Matheus Zarpellon. As imagens retratam a cidade antiga sob uma perspectiva jovem e urbana. No segundo piso estará o salão imperial, que deverá comportar o maior número de clientes.

Passado memorável e de expressão cultural

O prédio na esquina da Rua Andrade Neves com a Rua da Ladeira – oficialmente Rua Júlio de Castilhos – é uma das principais referências históricas na cidade. A historiadora Stephanie Della Giustina explica que a origem do sobrado está diretamente ligada à da cidade. Observa que a história de Rio Pardo é internacional, pois nasceu em função da redefinição de tratados entre impérios europeus.

Em 1750, Portugal e Espanha fizeram o tratado de Madri, que substituiu o Tratado de Tordesilhas, com a definição das fronteiras no sul da América. Com isso começou a movimentação para a construção do Forte Jesus Maria José, em Rio Pardo, para guardar as fronteiras no sul do Brasil, em local estratégico. Em 1752 foi criado o Regimento dos Dragões e a partir disso existe a identidade imaginária sobre a abertura da Rua da Ladeira e a construção do seu primeiro guardião, que é o Solar dos Panatieri, nova casa do Seu Domingos.

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Até a metade da década passada, o imóvel pertenceu aos familiares do primeiro médico negro no Rio Grande do Sul, Luciano Raul Panatieri. A compra da moradia envolve uma história curiosa da sua vida profissional. Um dos fazendeiros mais ricos da região tinha um problema sério na família, pois toda vez que sua mulher entrava em trabalho de parto, perdia a criança. Chamado para atender mais uma tentativa da gestante, Panatieri foi surpreendido pela atitude do marido, que trancou a porta do quarto da esposa e lhe apontou um revólver.

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Transtornado, ele ameaçou matar Panatieri se o filho e a mulher não sobrevivessem. Após o parto realizado com sucesso, o fazendeiro novamente surpreendeu o médico com o pagamento de uma quantia vultosa, que serviu para a compra do casarão no Centro, em 1930.

Antes da aquisição pelo grupo de empresários, em 2020, o prédio estava sob os cuidados das irmãs Elvira Maria Souza Panatieri Correia de Brito e Marta Maria Souza Panatieri Sittler, filhas de Luciano. Residentes em Porto Alegre, elas viajavam a Rio Pardo todos os fins de semana para abrir o espaço cultural. No entanto, com a morte de Marta em 2013, Elvira ficou sem condições de manter o solar sozinha. Após conversar com o irmão Rômulo, médico na cidade de Piratini, houve a decisão de vender o imóvel.

Objetos pertencentes ao médico Luciano Panatieri foram doados ao Museu de História da Medicina, de Porto Alegre. O Arquivo Histórico Municipal de Rio Pardo ganhou fotografias antigas, e outros objetos foram vendidos.

O palácio do imperador

O imperador D. Pedro II ficou hospedado no prédio hoje conhecido como Solar dos Panatieri em sua segunda viagem à província, de 29 a 31 de julho de 1865. O monarca voltava ao Rio Grande do Sul para se encontrar com os presidentes da Argentina e do Uruguai, Bartolomé Mitre e Venâncio Flores, em Uruguaiana. O encontro tinha objetivos diplomáticos: libertar Itaqui, São Borja e Uruguaiana, que se encontravam sob o domínio de tropas paraguaias. O casarão no centro de Rio Pardo foi construído em 1798 e pertencia à Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria. Na época da visita de D. Pedro II, a propriedade era do juiz da Comarca, Abílio Alvaro Martins Castro, que dias depois também hospedou o Conde D ‘Eu, esposo da princesa Isabel.

Espaço valorizará a história e a gastronomia

Apaixonado por gastronomia, influência da mãe e avó, Lucas Faleiro Silveira afirma que o Seu Domingos terá todo o cuidado de preservar as raízes e valorizar a identidade do povo rio-pardense. E o restaurante irá levar um pouco da referência histórica de outra área da cidade, o Bairro Ramiz Galvão. O avô Domingos teve um armazém no local e com isso se tornou muito conhecido. Ainda hoje, Lucas encontra pessoas que lembram do seu avô. Por isso a homenagem, com a denominação do restaurante.

Lucas: hobby se tornou um negócio | Foto: Matheus Zarpellon/Divulgação/GS

Lucas fez as primeiras produções de pizzas em 2014, como hobby com a família. Em pouco tempo os produtos se tornaram famosos e começou seu primeiro empreendimento, o Vitriali Pizzas Artesanais, em homenagem ao falecido avô paterno, Domingos Vitriali Silveira. Muitos eventos com rodízios ocorreram na casa de clientes e a comercialização dos alimentos congelados. Mas em busca de empregos mais competitivos, o casal começou a trabalhar na noite em Santa Cruz do Sul. Stephanie atuou como atendente e caixa em um pub e Lucas como auxiliar de pizzaiolo, em 2019. Mas ainda no mesmo ano, Stephanie foi chamada a iniciar sua docência na rede estadual, em Rio Pardo, e Lucas começou um estágio no Cartório Eleitoral.

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Com a pandemia do coronavírus, após muito estudo, o casal decidiu trabalhar com gastronomia, investindo no bairro onde residiam, em Ramiz Galvão, com a inauguração do Seu Domingos Gastropub. Após um ano, o local com capacidade para 80 pessoas se tornou pequeno. Com isso, começou a procura por novo espaço no Centro.

Assim, os olhares se voltaram para as obras no Solar dos Panatieri. A locação foi fechada após um ano de negociações com os proprietários. Algumas adequações foram necessárias, como a construção da cozinha no terreno ao lado. A enchente de 2024 também causou mudanças no planejamento.

Inusitados destinos entrelaçados

Depois de concluir a negociação pelo novo ponto, Lucas recebeu a chave do sobrado dos proprietários e, ao chegar em casa, levantou o molho balançando, emocionado. “O Pedrinho é a razão disso tudo”, disse Stephanie, diante do grande momento e se referindo ao filho do casal, na época com alguns meses de idade.

Stephanie e o filho Pedrinho

Stephanie já estava envolvida há alguns meses com pesquisa histórica sobre o local, mas faltavam fontes. Então, lembrou de uma pasta com materiais de Rio Pardo que ganhara de uma antiga professora de História quando passou no vestibular, mas que ficou sem ser aberta por oito anos por falta de tempo. Ao verificar o conteúdo, Stephanie viu que estava recheado de fascículos especiais publicados pela Gazeta do Sul sobre os 200 anos de Rio Pardo, em 2009. E, por coincidência, quase todos tratavam sobre o Solar dos Panatieri.

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Quando Stephanie iniciou a leitura de um dos fascículos, ficou incrédula. “O Pedrinho é a razão disso tudo”, iniciava a reportagem, com a afirmação de uma das irmãs responsáveis pelo espaço na época, referindo-se a D. Pedro II e sua passagem pelo casarão. E outra surpresa: o imperador esteve no solar no mesmo dia do aniversário de Pedrinho, filho do casal, entrelaçando os destinos.

“Hoje tenho certeza que estamos no lugar certo e nosso propósito de vida é dar luz a uma parte de Rio Pardo que por muitos anos ficou esquecida. Através de todo amor que cultivamos desde a infância por Rio Pardo, sentimos que é nosso dever entregar algo de qualidade para ela. Sabemos do seu potencial e suas falhas, e nosso desafio é trabalharmos e fazer história”, afirma.

A trajetória de Seu Domingos

A denominação do novo empreendimento no antigo Solar dos Panatieri é uma referência ao avô de Lucas, Domingos Silveira, filho de Florinda e Francisco Silveira. Havia um Vitriali em seu nome, mas se perdeu quando serviu no Exército, no início do século 20. Com a primeira esposa, Eva Silva, teve sete filhos e possuíam um grande empreendimento no centro de Santa Maria, em quase uma quadra, com armazém de secos e molhados, loja de aviamentos e tecidos, um clube de jogos, ferraria, barbeiro e açougue. A esposa fazia almoços, doces e pães para vender.

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A primeira esposa de Domingos faleceu dando luz ao filho Alan. Por motivos desconhecidos, ele não deu seguimento aos negócios em Santa Maria. Algum tempo depois se casou novamente, com Dalila. Acompanhados pelos filhos mais novos, seguindo a linha férrea, chegam a Rio Pardo em 1952, no Bairro Ramiz Galvão, um dos maiores polos ferroviários do Sul do Brasil. No local, volta a empreender, com a instalação de um armazém de secos e molhados ao lado da Ponte do Couto. No segundo casamento, teve mais seis filhos.

Em meados de 1959, após muitas dificuldades e a perda de alguns filhos, começou a dar os primeiros passos na umbanda, sendo fundador do templo Albertina Assis da Silva, em 1960. Domingos morreu em 1981 e foi sepultado no cemitério São Nicolau. Lucas Silveira é filho de Vanderli e neto de Domingos.

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