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GUERRA

Ucrânia: “Ocidente está dando um tiro no pé”, diz professor

Danos após ataque com míssil em Kiev, Ucrânia | Foto: Arrikel/Wikimedia Commons

Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e do curso de Ciências Militares da Escola de Comando do Exército, além de ser o autor do livro Por que o socialismo ruiu?, Paulo Fagundes Visentini acredita que Vladimir Putin soube explorar as fraquezas do Ocidente e que o conflito na Ucrânia, embora não deva descambar para uma guerra global ou gerar grandes turbulências econômicas, deve fortalecer não só a Rússia mas todo um bloco de países asiáticos, inclusive a China, que vêm conquistando cada vez mais peso em termos geopolíticos.

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ENTREVISTA

Paulo Fagundes Visentini
Professor e escritor

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Gazeta – Como o senhor avalia a decisão dos Estados Unidos de não lutar na Ucrânia?
Vicentini –
A decisão não surpreende. Pode-se pensar o que quiser do presidente Putin, mas ele é um homem que veio da área de Inteligência e ele realmente soube avaliar a situação e viu que o Ocidente estava blefando. Desnecessário lembrar que os EUA, há seis meses, saíram de forma humilhante do Afeganistão, de madrugada, sem nem mesmo notificar os seus aliados naquele país. E agora os ucranianos também se sentem muito traídos, porque tanto os EUA quanto os países europeus, que de alguma maneira insinuaram que iam apoiar o país, na verdade provocaram esse país a entrar em um conflito. A fraqueza desses países ocidentais foi explorada pela Rússia.

Até que ponto sanções comerciais dos EUA e de outros países contra a Rússia são suficientes para conter o conflito?
Creio que não terão um impacto tão profundo. Em primeiro lugar, a Rússia já está há quase 20 anos sofrendo algum tipo de sanção. Sofre sanções por conta de algum outro conflito e por questões ligadas a espionagem e a direitos humanos. Então, eles já reorganizaram sua economia e isso faz com que a Rússia, inclusive, se torne mais autossuficiente e se aproxime da China. Ou seja, o que o Ocidente está fazendo, de certa forma, é dar um tiro no pé, como se diz, em bom português. Estão empurrando a Rússia para o lado da China e assim eles podem fornecer tecnologia, urânio, gás, petróleo. A Rússia, inclusive, é um grande exportador de grãos para a China. Então, as sanções são muito mais uma forma de salvar a face do que qualquer coisa.

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O senhor acredita que está descartado um conflito mundializado?
Não creio. O perfil dessa guerra é semelhante ao que houve na Georgia. Se nós pensarmos qual é a doutrina militar russa e quais são as capacidades que eles têm hoje, não são para uma guerra muito duradoura. Aliás, ninguém mais tem essa capacidade. A ideia da Rússia é uma guerra rápida e que crie uma pressão psicológica muito forte sobre o adversário. A entrada dos russos em Kiev vai levar a um desfecho que já está anunciado: o presidente já falou que está disposto a assinar um acordo de neutralidade da Ucrânia e o país se comprometer a não entrar na Otan, desde que tenha um respaldo de outros países para que isso seja respeitado.

Qual deve ser o impacto desse episódio no xadrez global? Quem sairá mais forte e quem sairá mais fraco?
Sem dúvida, vamos ter algo muito importante. O que está acontecendo hoje é que está surgindo um conjunto de países da Ásia que estão se industrializando – o principal deles, a China –, junto com países da Ásia Central – como Cazaquistão, onde houve uma tentativa recente de derrubada do governo – e a própria Rússia. Essa região está emergindo como um polo geopolítico. É a velha geopolítica que está renascendo com roupa nova, e isso perturba o Ocidente, que está com dificuldades. Chega a ser cômico ouvir as ameaças do primeiro-ministro britânico, que saiu da União Europeia e hoje não tem nem o número mínimo de motoristas para mover os caminhões dentro do país, provocando crises de abastecimento. Se essa guerra terminar na forma de um acordo que seja favorável ao limite que a Rússia quis impor, vamos ter algo muito interessante, que é o reforço desse bloco euroasiano. O que os ocidentais não contavam é que a ajuda que insinuaram para a Ucrânia vai movimentar um grande número de pessoas que vão se apresentar na fronteira europeia como refugiados. A Ucrânia faz fronteira com a Polônia, a Eslováquia e a Romênia. Nesses países, provavelmente muitos aproveitarão a situação, não por estarem correndo perigo, mas porque a Ucrânia é um país que não deu muito certo desde o início. Não conseguiu conformar uma identidade e, ao contrário da Rússia, não fez reformas econômicas; então, sua economia é muito debilitada. Vamos ter uma nova onda de refugiados para dentro da União Europeia, o que certamente acarretará problemas.

De que forma os efeitos desse conflito chegarão a países como o Brasil?
A turbulência econômica será temporária. Normalmente, essas guerras não levam mais de uma semana. Nunca se sabe o que pode acontecer, mas pela debilidade do governo ucraniano, provavelmente vai haver alguma mudança política ali dentro e algum tipo de acordo vai ser tentado.

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Qual o senhor acha que deve ser a posição do governo brasileiro nesse momento?
Por uma coincidência, a visita do presidente ocorreu um pouco antes dessa crise eclodir. A visita estava marcada anteriormente, não tem nada a ver com esse conflito. E acho que a diplomacia está retomando o que é uma tradição muito sólida: o Brasil é um dos seis países, entre quase 200, que tem relações com todos os estados do mundo. É uma tradição muito sábia de não se envolver nesses conflitos. Hoje, o mundo está dividido entre incendiários e bombeiros e a diplomacia brasileira tenta não se deixar levar pelas emoções e buscar soluções. Isso interessa para as relações econômicas. A Rússia é um país de clima frio e que sempre precisa importar carnes, frutas, coisas desse tipo. E, obviamente, nós precisamos de insumos para o nosso agronegócio e a cooperação com eles é muito importante. Acho que o Brasil finalmente está tomando um rumo equilibrado de política externa.

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Pêssankas, os ovos pintados, tradição ucraniana mantida pelos descendentes no Brasil

Invasão russa angustia ucranianos gaúchos
Romar Beling
[email protected]

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A invasão russa na Ucrânia gera inquietação em várias regiões do Rio Grande do Sul. É o que ocorre junto à comunidade de descendentes eslavos, parcela deles ucranianos, no município de Campina das Missões, na área missioneira. Para lá se dirigiram os primeiros imigrantes em 1909, estes oriundos da Sibéria, mas em apenas três anos já eram 19.525 russos instalados no Estado, como recorda o pesquisador e escritor Jacinto Jabolotsky, autor do livro A imigração russa no Brasil.

Mais de um século após a chegada dos pioneiros, os descendentes compreendem um amplo contingente, que se espalha ainda por Santa Rosa e por cidades da Região Metropolitana, como Ivoti, Sapiranga e Novo Hamburgo, além de Porto Alegre. Aos 65 anos, e radicado em Campina das Missões, onde a cultura eslava está fortemente arraigada e visível em arquitetura, culinária, folclore, danças e entidades, seu Jacinto reluta em opinar ou se manifestar sobre a decisão do presidente russo Vladimir Putin de invadir a vizinha Ucrânia. A preocupação, evidente, é não criar qualquer desconforto nas comunidades em âmbito de Brasil, até porque, em essência, vêm todos de uma região em que eram próximos ou conviviam. “As famílias aqui só rezam para que tudo acabe logo, e acabe bem”, assegura.

Igreja ortodoxa na região de Prudentópolis, no Paraná, de forte presença ucraniana

As relações e os vínculos com parentes ou amigos que ficaram no Leste são intensos e constantes. Seu Jacinto comenta que trocas de mensagens entre as famílias são quase diárias. Mas, apesar da invasão e dos bombardeios, assegurou nessa sexta-feira, em entrevista por telefone à Gazeta do Sul, que a rotina nas cidades ucranianas segue “quase normal”, e que os efeitos do avanço das tropas russas eram bastante localizados.

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A comunidade ucraniana no Brasil é uma das maiores em âmbito mundial (a terceira maior fora da Ucrânia), calculada em cerca de um milhão, entre imigrantes e descendentes. A região central e do oeste do Paraná é a principal referência, com destaque para Prudentópolis, considerada a cidade mais ucraniana do Brasil. A vinda ocorreu em três etapas, a inicial sendo anterior à Primeira Guerra Mundial, a segunda no período entre-guerras (o tempo da “grande fome”), e a terceira logo após a Segunda Guerra, quando os ucranianos fugiam da violência que sofriam na União Soviética.

No Paraná, fixaram-se ainda em São Mateus do Sul, Marechal Mallet, Guarapuava, Donizon, Rio Azul, Ivaí e Irati, entre outras localidades. Nestas, as tradicionais igrejas ortodoxas (os ucranianos são extremamente religiosos), com a arquitetura típica, estão presentes na paisagem, bem como no artesanato os coloridos bordados, de vermelho intenso, e as pêssankas, os ovos coloridos inteiramente à mão e entregues na Páscoa.

Filho de seu Jacinto, o pesquisador Bóris Zabolotsky, professor e doutorando na Ufrgs, tem a relação entre a Rússia e a Ucrânia e o ambiente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) como temas de estudos. Nessa sexta-feira, concedeu entrevista a Rosemar Santos no programa Radar, da Rádio Gazeta FM 107,9. Lembrou que russos e ucranianos sempre tiveram relação muito amistosa, e que a Ucrânia inclusive é chamada de “pequena Rússia”.

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Livros que permitem conhecer essa região
Uma série de livros permite compreender o contexto histórico e cultural que envolve a relação entre a Rússia e a Ucrânia. Se enquanto repúblicas que compuseram a ex-União Soviética, ao longo do século 20, a Rússia e a Ucrânia comungam de um passado comum, questões não bem-resolvidas ardem sob as cinzas de um suposto ambiente de paz neste início de século 21. De todos os traumas que envolvem esse “passado”, a chamada “grande fome”, nos anos 30, é incontornável. O livro A fome vermelha: a guerra de Stalin na Ucrânia, de Anne Applebaum, publicado pela Record (560 p., R$ 119,90), detalha esse processo. Pelo menos 5 milhões de pessoas morreram entre 1931 e 1933 na URSS em decorrência da expulsão de camponeses de suas terras provocada por Stalin; mais de 3 milhões deles eram ucranianos, deixados, literalmente, sem comida.

Já na reta final do século 20, a Ucrânia viveria outro horror: a explosão de reator nuclear na Usina de Tchernóbil, em seu território, em abril de 1986. Se este acontecimento foi, literalmente, o estopim da derrocada da URSS, para a Ucrânia foi muito pior. Além das mortes e da necessidade de evacuação rápida de um amplo território, os efeitos da radiação sobre boa parte do país até hoje não estão superados. A bielorrussa Svetlana Aleksiévitch escreveu o impactante Vozes de Tchernóbil: a história oral do desastre nuclear, editado pela Companhia das Letras (421 p., R$ 59,90), e recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2015.

E até na literatura brasileira há influência da Ucrânia. A escritora Clarice Lispector (1920-1977) era na origem ucraniana, nascida Chaya Pinkhasivna Lispector, em Chechelnyk. Pequena, com menos de 2 anos, chegou ao Brasil ao lado dos pais e de duas irmãs. Formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, casou-se com o diplomata Maury Gurgel Valente e, escritora, elaborou alguns dos mais impactantes romances brasileiros, como Perto do coração selvagem e A paixão segundo G.H. (R.B.)

Confira também reportagem da edição de 30/06/2018 da Gazeta do Sul sobre os russos no Rio Grande do Sul:

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