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200 anos da Imigração Alemã: como os símbolos do Natal foram trazidos à nova terra

Os primeiros imigrantes alemães chegaram à Colônia de Santa Cruz no dia 19 de dezembro de 1849, deparando-se com um ambiente novo e estranho, situado a milhares de quilômetros da terra natal, a qual haviam acabado de deixar para trás. Menos de uma semana depois, e ainda nessa nova realidade, vivenciavam o Natal, um momento que, em suas regiões de origem, tinha um enorme significado para eles e para suas famílias e comunidades.

174 anos depois, pode-se imaginar com que ânimo, com que sentimentos e com que expectativas os primeiros colonos terão celebrado, a seu modo (e horas depois de chegar), o primeiro Natal em seu novo (e ainda de todo incipiente) lar. Os professores e pesquisadores Jorge Luiz da Cunha, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e Vania Inês Avila Priamo, mestre em História pela Unisinos, a convite da Gazeta do Sul, dimensionam o que o Natal, com seus símbolos e elementos, representava para as famílias e as comunidades na Europa à época da vinda dos primeiros imigrantes de origem germânica para o Estado, em meados do século 19. Tais elementos os colonos acabaram por introduzir na sociedade brasileira.

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A história do Natal

*Por Jorge Luiz da Cunha, professor e pesquisador

O Natal, comemorado em todos os lugares do mundo da cultura ocidental e do seu cristianismo católico e luterano, é o dia 25 de dezembro do calendário gregoriano. Nos países eslavos, vinculados com o cristianismo ortodoxo e o calendário juliano, o Natal é comemorado sempre no dia 7 de janeiro. A origem do Natal está na festa do solstício de inverno do Hemisfério Norte. Mesmo no período histórico anterior à existência do cristianismo, as civilizações avançadas do Oriente Próximo, principalmente os egípcios, consideravam o dia do solstício de inverno como uma oportunidade de celebrar e festejar os aniversários de suas divindades, especialmente as vinculadas ao deus Sol.

No século V antes de Cristo, os romanos, diante da expansão de seus domínios imperiais na Europa, no Oriente Próximo e no Norte da África, fixaram o dia 25 de dezembro como o dia de aniversário do deus Sol. Igualmente os povos germânicos, no mesmo período e data, festejavam suas crenças e seus deuses em práticas espirituais. Quando surgiu o cristianismo, as festas de solstício eram consideradas práticas pagãs. Após quase 400 anos de surgimento e crescimento das comunidades cristãs dentro do Império Romano, as lideranças das comunidades proibiam e criticavam as práticas festivas do 25 de dezembro. Mas nunca obtiveram sucesso!

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O cristianismo foi reconhecido pelo imperador Constantino, do Império Romano, no ano de 313. Constantino concedeu liberdade de culto aos cristãos. Em 380, o imperador Teodósio proclamou o cristianismo como religião oficial do Estado Romano, através do Edital Tessalônico, decretado em 27 de fevereiro daquele ano. No texto, o cristianismo se tornou a religião exclusiva do Império Romano, abolindo todas as organizações sociais religiosas politeístas dentro do império. Os templos das religiões não cristãs foram todos fechados e, posteriormente, destinados ao uso exclusivo das comunidades cristãs.

Com a oficialidade religiosa, cultural, social e política do cristianismo no Império Romano, a sua ancoragem social era muito forte e crescente. O objetivo da Igreja sempre foi o de conquistar os declarados pagãos para o cristianismo. Estrategicamente, o dia 25 de dezembro tornou-se a festa de Jesus, o Natal cristão, no lugar do solstício de inverno.

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A estratégia de introduzir a árvore de Natal na celebração

A árvore de Natal é um dos símbolos mais representativos da festa cristã vinculada com o nascimento de Jesus Cristo. A prática cultural religiosa determina que até o dia 24 de dezembro os cristãos coloquem a árvore de Natal ao lado do presépio em suas casas. Na Europa e na América do Norte, essas árvores são geralmente pinheiros naturais ou abetos. A maioria das famílias os decoram com bugigangas, laços, velas e até doces.

O cristianismo adotou e transformou costumes pagãos relacionados ao culto às “árvores sagradas”. Foi assim que surgiu o pinheiro decorado de Natal. Existem várias lendas e histórias sobre tradições que envolvem árvores como símbolo de “vida eterna e fertilidade”. Em costumes culturais antigos, como dos babilônios, derrubava-se uma árvore, penduravam-se enfeites nela e até se deixavam presentes embaixo dela. No continente da Europa, por outro lado, eram os celtas que, todos os anos, no início do solstício de inverno (dezembro no Hemisfério Norte), enfeitavam um carvalho com frutos e velas para animar a árvore e garantir o regresso do sol e da vegetação nos meses e estações seguintes.

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Segundo as memórias do passado, foi São Bonifácio (672-755) – venerado e reconhecido pelas igrejas católicas e ortodoxas – quem transformou o culto dos pagãos na Europa a árvores sagradas em prática religiosa do cristianismo, afirmando que toda a criação de Deus, no universo inteiro, precisava ser reconhecida. Por isso, a “árvore sagrada” festejada no Natal passou a ser uma prática cultural religiosa de reconhecimento de um único Deus e de seu filho Jesus Cristo.

Uma forma de representar a vida eterna

Na Idade Média (séculos V e XV), os alemães penduravam maçãs na chamada “Árvore do Paraíso”. Tudo se iniciava no dia 24 de dezembro, ou seja, na véspera de Natal. Hóstias também foram penduradas nessa planta memorial como símbolo cristão de salvação, com a intenção de representar o Jardim do Éden.
Os povos evangelizados adotaram a ideia da árvore para celebrar o nascimento de Cristo, e as maçãs, que simbolizavam o pecado original e as tentações, foram substituídas ao longo do tempo por bolas e outros tipos de enfeites – a maioria comestíveis.

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Quanto às luzes que enfeitam a árvore natalina, o protestantismo reconhece que o teólogo Martinho Lutero (1483-1546), monge agostiniano e professor de teologia germânico que se tornou uma das figuras centrais da Reforma Protestante, viu o brilho espetacular das estrelas na noite de inverno, refletindo e cintilando nas árvores de Natal. Por isso, ficou impressionado e, com base nas cintilantes luzes das velas colocadas nos galhos de uma árvore, acreditava e pregava que a ideia de colocar velas na árvore de Natal representava a luz de Cristo como a luz do mundo. Com o tempo, as velas foram substituídas por luzes.

As bolas decorativas utilizadas na árvore de Natal hoje substituem as maçãs. No entanto, se examinar um pouco mais de perto o significado que essa decoração foi adquirindo ao longo do tempo, elas simbolizam os dons que Deus dá às pessoas. Dependendo da cor, elas têm um significado: as azuis representam arrependimento, as vermelhas representam pedidos, as douradas correspondem a louvor e as prateadas significam ação de graças.

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É bom lembrar que as luzes representam a luz de Jesus Cristo (a graça divina), e têm o significado de iluminar o caminho da fé. Os laços e as fitas representam os laços familiares, a ligação e a presença de entes queridos. Os anjinhos são os mensageiros entre as pessoas e o céu, seu papel é o de protetor. Quanto à estrela, que sempre é colocada no topo da Árvore de Natal, ela representa a Estrela de Belém, a líder da fé.

O significado da árvore de Natal é a representação da vida eterna, porque suas folhas resistem e permanecem com sua cor original e porque a sua copa aponta para o céu, onde todos os cristãos buscam encontrar o Deus que amam. As práticas religiosas do cristianismo nas famílias, comunidades, cidades, nações e, igualmente, as consciências dos cristãos simbolizam que, como humanos, que se reconhecem individualmente, todos fazem parte da humanidade.

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E então São Nicolau virou Papai Noel

São Nicolau de Mira (270-343), dito Taumaturgo, também conhecido como São Nicolau de Bari, é o santo padroeiro de vários países da Europa Oriental, mas também de vários países da Europa Ocidental e, igualmente de algumas instituições. O seu dia é sempre comemorado em 6 de dezembro. Um dado importante é que suas imagens e registros históricos inspiraram e continuam inspirando as imagens atuais do “Papai Noel”.

A criação do “Papai Noel” (como reconhecida atualmente) foi uma iniciativa publicitária da empresa Coca-Cola. Foi em 1931 que a Coca-Cola contratou o artista sueco-americano Haddon Sundblom para pintar o Papai Noel em seus anúncios de Natal. A partir de então, a imagem cativou.

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Mesa posta

*Por Vania Inês Avila Priamo, professora e pesquisadora

A comida é um importante e potente patrimônio cultural imaterial das comunidades e um dos traços identificadores e fortalecedores das identidades e do sentimento de pertença. Os hábitos, principalmente os vinculados com as festividades natalinas, expressam valores, tradições e identidades individuais e coletivas, sendo capazes de inventar e reinventar valores locais, mesclando a sabedoria antiga com a cultura contemporânea. Ou seja, a gastronomia, os pratos tradicionais, assim como as demais tradições culturais, permanecem vivas na comunidade quando a transmissão intergeracional acontece e quando ela se atualiza, de forma que o novo e o antigo se mesclem, sem que a essência se perca.

Com uma experiência de cerca de 25 anos trabalhando com pesquisa histórica, através do uso da metodologia da história oral, Vania pode ouvir muitos relatos, muitas memórias afetivas relacionadas a datas especiais, festivas, como é o caso do Natal. Influenciada por esses relatos e pelas próprias memórias afetivas, quando se fala em um prato, em uma comida que lembre o Natal na região de colonização alemã, de imediato ela lembra das “bolachinhas de Natal”.

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Feitas a partir de diferentes receitas, passadas de geração para geração, o que as identifica como bolacha ou doce de Natal é a decoração. A base é um merengue feito com claras de ovos batidas com açúcar até que adquiram a consistência adequada, e que é passado sobre as bolachas. Em seguida, são espalhados confeitos coloridos sobre elas.

As bolachinhas fazem parte das tradições alimentares dos descendentes de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul. Eram feitas em datas especiais como o Natal, bem como a Páscoa e o “Kerb”. A tradição foi se mantendo, embora tenha havido um processo de modernização, de atualização. Como exemplos desta atualização, é possível citar que, antigamente, a banha e a manteiga eram usadas como gordura na produção da iguaria. Hoje, muitas pessoas não usam mais a banha, tendo substituído por margarina.

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As bolachinhas eram moldadas com forminhas feitas a partir da reutilização de latas de azeite, por exemplo, e da habilidade do funileiro local. Hoje, embora ainda sejam fabricadas formas de folha de flandres, elas também o são a partir do aço inoxidável ou do plástico. A decoração era feita com açúcar colorido, e hoje existe um grande número de outros confeitos utilizados na sua decoração. As bolachas eram assadas no forno de barro, posteriormente no forno do fogão a lenha e, hoje, em fornos elétricos.

Esses quatro exemplos de atualização das tradições nos dão o indicativo da permanência desse alimento no tempo e no espaço, podendo, portanto, ser compreendido como um patrimônio cultural imaterial da região de colonização alemã do Rio Grande do Sul.

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Nas memórias de antigos moradores da região, este era um período mágico onde os vagalumes anunciavam a proximidade do Natal, onde o Natal tinha cheiro, tinha gosto. Nessa época, um ritual se instalava nas casas das famílias: as crianças reuniam-se ao redor da mesa, ajudando a mãe ou a avó a cortar as bolachas com o uso das forminhas de “lata” em forma de coração, de estrela, de flor, ou até fazendo uso de um copo para produzir bolachas redondas. Após estarem assadas e frias, o trabalho das crianças era espalhar o açúcar colorido sobre o merengue que a mãe ou a avó haviam passado sobre as bolachas. Como gratificação, talvez pudessem comer uma antes da chegada do Natal.

Com grande expectativa esperavam o dia de Natal, onde o presente eram algumas bolachinhas decoradas. Se hoje as bolachas de Natal estão disponíveis o ano todo em mercados, mercearias, feiras de agricultores e tantos outros espaços, no passado eram esperadas e desejadas por crianças e adultos e eram comidas de dias de festa. Algumas famílias mantêm a tradição e afirmam que é na produção das bolachinhas que sentem o Natal se aproximando. Ainda se encontram famílias que se juntam ao redor da mesa para produzi-las. Assim, passando de geração para geração, de forma oral ou através dos registros em velhos cadernos de receitas, essa tradição alimentar se mantém viva e pulsante.

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