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ECONOMIA

“A guerra vai ter repercussões por anos”, avalia economista-chefe da Fiergs

Foto: Rafaelly Machado

A guerra da Ucrânia tirou o Brasil da rota da recuperação econômica e impôs um cenário muito mais complexo para os próximos anos, sobretudo para o Rio Grande do Sul, que ainda precisará contabilizar os prejuízos decorrentes da estiagem prolongada. Esse é o diagnóstico do economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), André Nunes de Nunes, que palestrou nessa quarta-feira, 16, na reunião-almoço Tá na Hora, da Associação Comercial e Industrial de Santa Cruz (ACI).

Doutor em Economia Aplicada pela Ufrgs e eleito economista do ano pelo Conselho Regional de Economia (Corecon-RS) em 2020, Nunes fez, em entrevista coletiva antes da palestra, uma projeção nada animadora: o PIB do Estado pode cair 4% neste ano por conta da falta de chuvas e a inflação, cada vez mais pressionada pelo contexto internacional, deve seguir exigindo ajustes de juros. Por outro lado, referendando uma declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a situação do Brasil é mais tranquila do que a de outros mercados emergentes e que o País pode se beneficiar da crise de oferta de commodities.

Nunes ainda defendeu reformas para melhorar, no curto prazo, o ambiente de negócios e investimentos em educação para garantir um crescimento sustentável no longo prazo. “O País vive hoje um paradoxo: tem falta de mão de obra e desemprego ao mesmo tempo. Vemos as indústrias reclamando de falta de mão de obra, mas porque buscam profissionais qualificados”, observou.

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Entrevista

André Nunes de Nunes
Economista-chefe da Fiergs

Como a economia brasileira se coloca nesse momento de incertezas quanto aos impactos da guerra da Ucrânia?

Viemos de um ano de recuperação, não dá para deixar de comemorar o bom resultado que tivemos na economia em 2021. Mas agora, com a estiagem e a guerra, o cenário mudou completamente, é uma situação mais desafiadora. Assim como outros eventos que o mundo já viveu, como o 11 de Setembro, essa guerra vai ter repercussões por anos e anos. No curto prazo, temos esses aumentos de preço de insumos, matérias-primas, commodities, uma inflação que já era preocupante e se acentua. Isso também vai levar bancos centrais a reverem suas políticas monetárias, talvez mudar o ritmo e a velocidade dos ajustes de juros. Tudo isso acaba impactando em algum momento na atividade, no crescimento e na vida das pessoas.

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Como isso mexe nas perspectivas de crescimento?

No final de novembro, quando apresentamos nossas previsões, esperávamos um crescimento de 1,6% para o Rio Grande do Sul neste ano. Com os últimos dados que temos da Emater, já partimos de uma recessão de 4% por causa da estiagem, sem contar possíveis impactos disso na indústria e nos serviços. Vai ser um ano com PIB bem negativo no Estado. É importante salientar que o Rio Grande do Sul sofreu muito em 2020 por causa da pandemia e de uma estiagem, e agora 2021 foi um ano de crescimento muito intenso. Por isso já era esperada uma desaceleração, mas a queda tende a ser muito grande. No Brasil, ainda esperamos crescimento de 0,6%.

Quais setores da indústria gaúcha podem ser mais afetados?

Olhamos com atenção para o segmento de máquinas e o que isso impacta nos investimentos. E vemos também como as cadeias internacionais se comportam, se vai ter ou não alguma ruptura em termos de fornecimento de peças da Europa, se vai respingar na Ásia e teremos mais atrasos em microchips. Mas o fato é que, se tiver mais inflação, vai ter mais juros e isso significa menos crescimento.

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O ministro Paulo Guedes disse que a nossa economia está preparada para um eventual conflito mundial. O senhor concorda?

Todas as economias tiveram que fazer, a partir da pandemia, um esforço muito grande para reativar a atividade. Em maior ou menor grau, todos os países precisaram fornecer estímulos e saem com as contas públicas combalidas. Quanto ao Brasil, se por um lado temos, de fato, uma relação dívida/PIB que vem em um patamar um pouco mais alto, por outro vemos que importantes países emergentes têm dado um passo atrás. A própria Rússia mostra uma fraqueza institucional, uma atratividade muito menor a partir de agora, vemos a China enfrentando grandes problemas com relação à listagem das empresas na Bolsa de Valores americana. Então, parece que o Brasil não tem uma melhora tão grande, mas o mundo emergente piorou relativamente, o que nos dá uma situação mais tranquila. Além disso, o que vivemos hoje é uma crise de oferta de commodities e, nesse ponto, o Brasil sempre foi um destaque. Portanto, podemos dizer que há um fundamento nisso que o ministro fala, sim.

Quais são serão os reflexos do mega-aumento de combustíveis?

Os efeitos primários que esperamos são o que todo mundo já sente: aperto no orçamento e sobretaxa de inflação. O impacto indireto é que isso pega em toda a cadeia, já que altera as decisões de consumo. Quando combustível, gás de cozinha e outros passam a ocupar um espaço maior no orçamento, sobra menos para outras coisas. No supermercado, a família tem que substituir produtos, deixar de consumir, e o setor de serviços também vai sofrer porque a alimentação fora de casa vai ser reduzida.

O senhor entende que a política de preços da Petrobras deve ser modificada?

O presidente da Fiergs tem uma posição que acho bastante sensata. Não podemos esquecer que existe uma paridade que deve ser obedecida. Essas distorções de longo prazo são péssimas para as empresas e para o País, porque, se congela um preço, quando solta é uma inflação represada que vem de uma hora para outra. Preços também são importantes porque geram incentivos. Se o preço está alto, gera um incentivo para que se busque energias alternativas, fazer outros tipos de investimentos e até poupar. Então, o mecanismo de preço é muito sensível. Porém, tem que existir algum tipo de suavização também. Às vezes um frete sai de uma ponta do Brasil com um preço contratado e, quando chega na outra ponta, já teve dois ou três aumentos no diesel. É preciso sim discutir a forma de fazer essa suavização, não temos uma posição bem definida sobre isso. Mas sem esquecer que existe um preço internacional.

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Diante da escalada inflacionária, será inevitável que o Banco Central siga elevando os juros?

Quando olhamos um ano para trás, vemos que saímos de uma Selic de 2%, em março do ano passado, para 12% agora. Não tem como isso não impactar a economia. E esse impacto não acontece diretamente, o próprio BC estima que vai de seis a nove meses a defasagem. Então, tem muito aumento de juros do ano passado e que ainda está impactando e vai impactar a economia. As taxas de financiamento, por exemplo, vêm aumentando paulatinamente e vão continuar, o que acaba freando o consumidor. Mas também tem um lado bom, o investidor estrangeiro olha essa taxa mais alta e vem mais para o Brasil, já vemos o câmbio ceder um pouco. Muito dessa inflação é importada, não temos muito o que fazer e o instrumento do BC é esse: aumentar os juros para tentar segurar o ímpeto da demanda e fazer frente a essa diminuição da oferta.

A redução de 25% no IPI terá impacto na inflação?

Sim. Estima-se algo entre 0,4% e 0,7% no fim do ano. A redução é importante para a indústria porque o IPI é um imposto cumulativo, regulatório e muito regressivo, que pune os mais pobres. O governo deveria continuar nessa linha depois do ano eleitoral. Isso vai ajudar em um momento em que a indústria vê seus custos aumentando muito, começa a ter uma pressão para repassar mais ao consumidor final. Ter esse espaço vindo do imposto ajuda tanto a segurar aumento de preço quanto eventualmente, em um mercado mais concorrencial, a reduzir preço, além de melhorar a margem do setor.

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Hoje os empresários estão menos preocupados com a pandemia e mais com a eleição presidencial. A economia será decisiva na eleição e o resultado irá determinar os rumos da economia?

Sim. As pessoas votam muito calcadas na sensação que têm em relação ao momento que estão vivendo e isso acaba, para o bem ou para o mal, tendo algum impacto. Quanto aos impactos do resultado, sempre há uma resposta muito intensa do mercado, otimista ou pessimista. Como federação de indústria, olhamos para um horizonte de longo prazo. E aí é analisar quem serão os ministros e como será o plano de governo. Então, a despeito desse movimento financeiro, de curto prazo, impactando o mercado de ações e a taxa de câmbio, esperamos para ver como vai ser a construção do governo.

Qual deve ser a prioridade para garantir um crescimento econômico sustentável?

Não há como falar de política de crescimento de longo prazo sem falar em uma reforma tributária para começar a organizar o ambiente de negócios. Não falo em uma reforma para reduzir imposto, porque isso vai depender da estrutura de despesas. Falo em algo de curto prazo, para deixar o ambiente de negócios mais acessível a mais pessoas, diminuir o custo de conformidade do País. É muito difícil estar na lei atualmente. Outra coisa é pensar na parte educacional. O Brasil vive hoje um paradoxo: tem falta de mão de obra e desemprego ao mesmo tempo. Vemos as indústrias reclamando de falta de mão de obra, mas porque buscam profissionais qualificados. São esses os dois grandes pontos pivotais para a economia voltar a crescer.

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