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Meio ambiente

O impacto em números: o que a pandemia deixa na natureza

Foto: Pexels

Em dois anos, a vida da humanidade mudou completamente. Há quem diga que foram meses que passaram rápido, como um piscar de olhos. Para outros, foram dias intermináveis, uma eternidade. Nesse caso, o tempo é relativo, não existe uma verdade absoluta. Contudo, o tempo é importante no que diz respeito ao impacto que a pandemia causou à natureza. As consequências virão a longo prazo.

Os dois anos de Covid-19 trouxeram diversas questões com as quais os líderes mundiais precisaram lidar. Foi necessário pensar em vacinas, protocolos de contenção da doença e formas de retomar o convívio social. Com tudo isso, surgiu também outra preocupação: o impacto da pandemia no meio ambiente. Quantos milhares de toneladas de resíduos foram descartados em todo o planeta? Não tem como saber.

Porém, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em fevereiro deste ano, estima que cerca de 87 mil toneladas de equipamentos de proteção individual (EPIs) foram encomendadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) até novembro de 2021. O documento fala também dos cerca de 140 milhões de kits de teste com potencial para gerar 2,6 mil toneladas de lixo, sobretudo plástico e resíduos químicos.

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Segundo a OMS, 8 bilhões de doses de vacina administradas no período analisado produziram um adicional de 144 mil toneladas de lixo, principalmente em forma de seringas, agulhas e caixas de proteção.

Em Santa Cruz do Sul, os números se destacam. Nos dois anos de pandemia, de março de 2020 a março de 2022, um dos hospitais da cidade viu crescer em 98,45% o número de lixo hospitalar do Grupo A. Em outro, no período analisado de 2020 para 2021, o acréscimo foi de 50%. Já a empresa que realiza a coleta de resíduos de saúde de postos, clínicas, farmácias e outros locais de Santa Cruz registrou um incremento de 94% e de 248% em diferentes grupos classificatórios, no período de 2019 a 2021.

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Nova realidade, atualização no plano

Entre março de 2020 e março de 2022, o Hospital Ana Nery (HAN) registrou um aumento de 98,45% no lixo hospitalar gerado na casa de saúde. Segundo Débora da Silveira Siqueira, responsável pelo gerenciamento de resíduos do HAN, todo lixo biológico é encaminhado para uma empresa terceirizada realizar o tratamento e destinação final, que é para aterro industrial, seguindo as determinações da Resolução de Diretoria Colegiada 222/2018.

De acordo com a profissional, tudo que entra em leitos ou setores Covid passa a ser considerado como material contaminado e com risco biológico. “Dessa forma, resíduos orgânicos (sobras de refeições) e comuns, como copos descartáveis, papel higiênico, papel toalha, passaram a ser descartados como resíduo biológico.”

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A nova realidade, deflagrada pela pandemia, fez com que o HAN realizasse uma atualização no Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviço de Saúde (PGRSS) para organizar todas as etapas, desde a segregação até o destino final. “E principalmente a logística de armazenamento temporário, pois com o grande aumento, o espaço físico não era suficiente”, comenta Débora.

Foi necessário aumentar a quantidade de coletas e o suprimento de sacos de lixo na cor vermelha e com a simbologia de risco biológico – orientação do Ministério da Saúde. “Todo resíduo de setor ou ala Covid tem uma cor de saco de lixo específico, auxiliando na prevenção de riscos ao trabalhador. Também foram desenvolvidas capacitações para as equipes envolvidas em todo o processo de geração e manejo dos resíduos”, completa. 

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Nem todos os resíduos gerados dentro de hospitais são contaminados. O descarte deve ser feito de forma seletiva, de acordo com a separação por grupos detalhada abaixo.

Grupo A – Materiais com a possível presença de agentes biológicos. Exemplos: curativos, sondas, luvas, algodão e quaisquer outros contaminados com sangue ou fluidos corporais.

Grupo B – Resíduos que oferecem riscos químicos. Exemplos: reveladores, medicação vencida.

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Grupo C – Resíduos radioativos.

Grupo D – Resíduos comuns. Exemplos: copos plásticos, jornais, revistas, garrafas plásticas.

Grupo E – Itens perfurocortantes. Exemplos: seringas, vidros quebrados.

Logística hospitalar precisou ser alterada

Dados da Comissão de Meio Ambiente do Hospital Santa Cruz (HSC) apontam que o aumento da geração de rejeitos do Grupo A foi de aproximadamente 50% de 2020 para 2021. De acordo com o informado pelo grupo de trabalho, todo material “A” é coletado, transportado, tratado e destinado por uma empresa especializada e licenciada. Atualmente, quem presta esses serviços é a Ambientuus.

“Na unidade de tratamento, os resíduos são esterilizados através de um procedimento térmico por incineração, e o equipamento trabalha com temperaturas superiores a mil graus, esterilizando totalmente o resíduo tratado. As cinzas geradas são destinadas a um aterro industrial licenciado”, explica a instituição.

Com relação à parcela de sobras não contaminadas, a coleta seletiva tem permitido que muitas delas sejam encaminhadas para reciclagem. Somente no ano passado, foram 12,67 toneladas de papelão, 823,6 quilos de plásticos de soro, 2,97 toneladas de papéis e 339 quilos de embalagens plásticas. 

Todos os resíduos dos leitos de isolamento foram e estão sendo tratados como pertencentes ao Grupo A. “Embalagens de papel, plásticas, de isopor, papel toalha, papel higiênico, restos de alimentos, talheres e copos descartáveis, tudo isso é considerado séptico, quando proveniente de um leito de isolamento. As nutricionistas comentaram que, em alguns momentos da pandemia, chegaram a ter cem embalagens de isopor com alimento por dia”, informa a Comissão.

No HSC, foi necessário alterar a logística. Assim, houve a implementação de mais rotas de recolhimento, mais espaço para armazenamento seguro, maior número de coletas pela empresa terceirizada e, consequentemente, aumento dos custos com transporte, tratamento e destinação final.

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No Hospital Santa Cruz, material coletado é depositado em bombonas, que ficam lacradas | Foto: Alencar da Rosa

Em Santa Cruz, Ecolog viu aumento de 94% e 248%, em grupos

Em Santa Cruz do Sul, a empresa responsável pelo recolhimento de resíduos de unidades como Estratégias da Saúde da Família (ESFs), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), laboratórios, farmácias, clínicas e de outros estabelecimentos é a Ecolog Serviços Ambientais, localizada no Distrito Industrial. De acordo com dados divulgados pela empresa, no município, o aumento da geração de sobras do Grupo A (infectantes) foi de 94% entre 2019 e 2021. Já no Grupo E (perfurocortantes), a elevação foi de 248% em Santa Cruz, no mesmo período. 

A Ecolog atua em todo o Rio Grande do Sul. Por isso, conforme o gerente de Engenharia, técnico ambiental e administrador da empresa, Cássio Paulus Calheiro, a amostragem desse crescimento é bastante representativa. Em todo o Estado, também entre 2019 e 2021, o aumento de produtos do Grupo A foi de 74% e o do Grupo E ficou em 214%. “Atendemos praticamente todos os municípios, e nos resíduos de saúde notamos esse incremento. Dificilmente um gerador não dobrou o número, alguns até triplicaram.”

Cássio Paulus Calheiro identificou que volume de itens descartados teve alta desde 2019 | Foto: Rafaelly Machado

Calheiro destaca que a geração de resíduos do Grupo A, por exemplo, sofreu tamanha elevação porque itens que antes não eram considerados infectantes passaram a ser vistos assim. “A máscara que se usava na indústria ou em uma clínica era eventual, em pouco volume e normalmente era descartada no lixo comum. Com a Covid, ela passou a ser considerada um resíduo infectante, porque tu não sabes o que está presente naquela máscara; isto é, além de gerar uma quantidade muito maior de máscaras, tu também estás considerando como um resíduo infectante”, complementa.  

Atualmente, a Ecolog terceiriza o tratamento daquilo que é recolhido. No entanto, em breve a Unidade II da empresa, também situada em Santa Cruz do Sul, poderá tratar o lixo. O gerente de Engenharia diz que a Ecolog já possui a licença de instalação e agora falta o aval de operação para colocar a unidade em funcionamento. “Hoje atuamos no formato antigo, fazemos as coletas, o gerenciamento, mas terceirizamos o tratamento, que é a autoclave, que nada mais é do que esterilizar o material biológico. Depois, vai para o aterro”, explica.

Uma das unidades da Ecolog está localizada no Distrito Industrial, em Santa Cruz do Sul | Foto: Rafaelly Machado

Crescimento chegou a 36,7% no mês com maior taxa de internações

Um trabalho realizado por um grupo de pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) trouxe à tona a questão da destinação de resíduos hospitalares do Grupo A – aqueles que contêm agentes biológicos e apresentam risco de infecção, como bolsas de sangue contaminadas, membranas e excreções, entre outros. 

Mais do que isso, os pesquisadores alertaram para uma situação que poderia ser melhorada, com a segregação mais adequada de objetos como copos plásticos, que entraram no mesmo combo do Grupo A.

A relevância do artigo foi tamanha que ele acabou sendo publicado na Revista Interdisciplinar de Promoção da Saúde. São autores do texto: Débora da Silveira Siqueira, Valéria Louzada Leal, Schirley Tostes, Jéssica Leal Batista, Alexandre Rieger, Ênio Leandro Machado e Eduardo Lobo.

Uma das autoras, a bióloga e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Ambiental (PPGTA) Valéria Louzada Leal explica que, no hospital objeto da pesquisa, somente no mês do pico de internações por Covid-19 – que foi março de 2021 –, houve o aumento de 36,7% na quantidade de lixo hospitalar. “A Covid foi a responsável por mais de um terço do lixo total do hospital.”

O trabalho foi iniciado porque, segundo Valéria, verificou-se que no Brasil e no Estado não havia dados sobre o aumento da geração de resíduos no período. A doutoranda ressalta que, no trabalho, foram feitas sugestões para a redução dos impactos. “Tudo que entrava em contato com o paciente suspeito de Covid, ou com algum familiar, era considerado resíduo do Grupo A, infectante e perigoso. Sugerimos que poderia ser feita uma melhor segregação.”

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Grupo de pesquisa: Eduardo Lobo, Schirley Tostes, Valéria Louzada e Alexandre Rieger | Foto: Caroline Garske

O professor Eduardo Lobo, doutor do Departamento de Ciências da Vida e do PPGTA e um dos autores do artigo, também orientou o trabalho de conclusão de curso de Biomedicina da aluna Maiara da Silva Soares. A pesquisa ocorreu em laboratórios de análises clínicas de Santa Cruz, chegando ao resultado de que o aumento médio de resíduos dos serviços de saúde, em 2020, foi de 30,1% se comparado com 2019. Esse estudo contou com a colaboração da farmacêutica mestre Rosângela Rodrigues Marques, da Vigilância Sanitária de Santa Cruz do Sul. Conforme Lobo, os dois trabalhos convergem.

Para ele, deveria haver uma adequação no custo final de transporte desses rejeitos. Atualmente, existe um custo fixo mensal. “Cobrar por quilo de material produzido de resíduo, porque dessa forma quem produz mais resíduo vai pagar mais caro, e quem produz menos, paga menos. Isso seria um incentivo para que nas clínicas e hospitais haja um movimento para reciclar, separar, tentar produzir menos possível para pagar menos e, assim, reduzir o impacto ambiental.” Lobo acrescenta que, além disso, são imprescindíveis os programas de educação ambiental.

Segundo Schirley Tostes, bióloga e mestranda do PPGTA, também autora do artigo, pesquisas apontam que, até 2025, o mundo ainda estará vivendo o impacto da pandemia de Covid-19, com o aumento do uso doméstico de luvas e máscaras, entre outros. “Precisamos ter dados para saber encontrar maneiras de gerir isso para futuras questões, como outras pandemias.” 

Hoje, conforme os pesquisadores, no Brasil, de modo geral, a maior parte desse lixo é encaminhada para incineração, por isso é necessário evoluir e pensar em alternativas. “Alguns países adotam outros métodos para tratar esse resíduo, como autoclavagem, mas no Brasil basicamente é incineração”, acrescenta Schirley.

Também autor do artigo, o professor doutor Alexandre Rieger, do PPG Promoção da Saúde, completa que a autoclavagem existe no dia a dia de laboratórios e hospitais. “Só que tem um custo energético elevado, então se evita. Sempre tem uma questão financeira que acaba pesando na hora da gestão”, observa.

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