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HISTÓRICO E CULTURAL

Santa Cruz foi um dos primeiros municípios a ter grupo de escoteiros no Estado

Foto: Rodrigo Assmann

Be prepared.” A frase, que traduzida para o português significa “esteja preparado”, sintetiza a essência do escotismo. O lema, desenvolvido pelo inglês Robert Baden-Powell – que criou o movimento na alvorada do século 20 –, reforça que os escoteiros devem estar em constante preparo mental e corporal para cumprir os deveres, ser obedientes e agir de forma correta no momento correto.

Adepto da exploração militar, Baden-Powell adquiriu aprendizados e habilidades em incursões à Índia e à África. E decidiu ensinar seus conhecimentos de exploração aos jovens, incentivando-os a viver aventuras e criar um contato com a natureza. Aliado a isso, mostrou-lhes valores positivos da sua vida militar, tais como autodisciplina, camaradagem, coragem e iniciativa.

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Em questão de tempo, o escotismo foi conquistando o velho continente e, em pouco tempo, já se espalhava nas terras tupiniquins. A partir da década de 1910, o Rio Grande do Sul começou a ter os primeiros grupos de escoteiros. Um deles em Santa Cruz do Sul, criado em 1916.

Após 109 anos, o movimento está consolidado no município graças aos quatro grupos em atividade e conta com 300 escoteiros. E segue se renovando à medida que ensina aos novos integrantes os valores criados um século antes, evidenciando o legado daqueles que dedicaram suas vidas ao escotismo.

Município foi um dos primeiros a ter um grupo no Estado

Desde a fundação do movimento em Santa Cruz ocorreram atividades em meio à natureza

O movimento escoteiro de Santa Cruz do Sul viveu sua primeira fase entre 1916 e 1938. E se chegou ao município, foi graças ao alemão Georg Michaelis Black, professor de ginástica de Munique, Alemanha, que se mudou para o Estado para trabalhar na Sociedade Ginástica de Porto Alegre (Sogipa).

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Georg tornou-se o pioneiro do escotismo em solo gaúcho, atividade que conheceu em sua terra natal. E em uma visita a Santa Cruz – na época uma odisseia, diante da falta de infraestrutura –, o alemão foi recebido com festa pela comunidade. 

Diferentemente dos dias de hoje, o movimento era algo desconhecido entre os imigrantes. Chamou a atenção a semelhança ao militarismo, mas com um aspecto educacional.

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A presença de Georg motivou o pastor Ernst Theodor Lechler, pároco da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, e o diretor do atual Colégio Mauá (na época, Deutsches Realschule), João Lipinsky, a criar o primeiro grupo de escoteiros de Santa Cruz, batizado de Pfadfindergruppe Santa Cruz. Vinculada à União dos Escoteiros Alemães, a dupla adaptou os conhecimentos que tinham sobre o escotismo para a realidade local. 

Na época, as opções no coração do município eram escassas. A infraestrutura era mínima. Assim, as principais atividades eram viagens ao interior, no ar livre, voltadas ao desenvolvimento corporal. O grupo de aproximadamente 40 escoteiros saía com o chefe da frente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana e marchava rumo a alguma localidade. Tomavam banho em cachoeiras ou lugares com água corrente e preparavam os seus próprios alimentos. Não à toa, a natação era uma das principais atividades. 

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Aliado a isso, repassavam aos jovens valores como hierarquia, disciplina e respeito. Conforme o chefe do grupo escoteiro Mauá, Iury Schmidt, além de ensinar boas maneiras aos jovens e também como se comunicar com clareza, os responsáveis sempre demonstravam um sorriso no rosto. “Isso era prezado nos primeiros manuais para ensinar que, frente a qualquer adversidade, um escoteiro nunca desiste. E eles queriam transmitir isso para as crianças daqui: que apesar das dificuldades enfrentadas, o escoteiro pode trabalhar para melhorar o mundo”, explicou.

Em 1917, poucos meses após a visita de Georg a Santa Cruz, os líderes escoteiros do município vão a Porto Alegre para, juntamente com outros grupos, criar a Associação dos Escoteiros Teuto-brasileiros do Rio Grande do Sul. Conforme Schmidt, que é também professor de História e se dedica, desde 2023, à pesquisa sobre o escotismo no município, Santa Cruz está entre os primeiros quatro grupos do Estado. “Sempre fomos um dos pilares do movimento escoteiro aqui em nível estadual. Todos os documentos comprovam isso”, afirma.

A luta para não deixar o movimento acabar

Nos anos que se sucederam à fundação do grupo de escoteiros de Santa Cruz do Sul, o movimento parecia que iria decolar. No entanto, a partir de 1918, devido à Primeira Guerra Mundial, o escotismo enfrentou a primeira de muitas paralisações que viriam ocorrer ao longo de um século. 

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O medo causado pelo conflito fez com que o grupo suspendesse as atividades. Da mesma forma, a Sociedade Ginástica, que permaneceu três anos fechada. 

A retomada começou lentamente em 1922. Dois anos depois, o movimento escoteiro no município ganha novo fôlego graças aos esforços de Georg Black, que volta a Santa Cruz com o intuito de revitalizar o grupo, que estava inativo.

“Esse segundo momento deu muito certo, agora com novos chefes e jovens e um remodelado movimento escoteiro, sob a orientação da União dos Escoteiros do Brasil, criada em 1924”, explica o professor de História Iury Schmidt.

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Nessa nova etapa, o grupo entrou em um desenvolvimento exponencial e participou de eventos estaduais. Realizavam ainda excursões para apresentar o interior do Vale do Rio Pardo. Relatos das visitas estão documentados e foram publicados durante a década de 1920.

Santa Cruz viria a sediar dois Jamborees, em 1928 e 1933, integrando grupos de escoteiros estaduais para atividades e reuniões. “Famosos pela alegria e postura, nossos jovens, muitas vezes, ganharam os corações dos demais escoteiros, pelas demonstrações de habilidades, peças teatrais e perseverança no cumprimento das atividades”, diz Schmidt.

Documentos resgatados pelo professor de História narram o ato de despedida do pastor Lechler, pioneiro do movimento em Santa Cruz, que era o chefe supremo de campo (em alemão, “Oberfeldmeister”), realizado em 1928. Pelo menos 150 escoteiros marcharam da sede do clube até a praça para formar um grande círculo e ouvir o último discurso do líder.

Já no final da década de 1930, na iminência da Segunda Guerra Mundial, o movimento foi impactado diretamente pelos conflitos políticos. A campanha de nacionalização, criada pelo governo de Getúlio Vargas, passou a proibir a cultura dos países que formavam o eixo fascista, sobretudo a alemã e a italiana. E o escotismo, por estar vinculado à Alemanha, teve sua imagem associada ao nazismo. 

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Enfraquecido, as atividades voltaram a se encerrar por um longo período. Se nos primeiros anos o grupo local era formado por 44 jovens, em meados da década de 1930 havia apenas seis. 

No entanto, ganhou vida nova em 1938, quando o chefe Lino Schiefferdecker viajou de Porto Alegre para Santa Cruz para refundar o grupo, com a ajuda de Roberto Boesel, que havia sido escoteiro do pastor Lechler. As atividades continuam até a década de 1960, sempre adaptando para a cultura e a realidade locais, aproximando-se do movimento dos dias atuais. Muitas atividades aconteciam na gruta. 

Foi nessa época que os Irmãos Maristas aderiram ao movimento. Além disso, Boesel decidiu sair, levando ao fechamento do grupo que liderava. 

Na década de 1980, o escotismo volta a ganhar força com a fundação do Grupo Escoteiro Santa Cruz, em atividade até os dias de hoje. Já em 2008 surge o Maclaren e, uma década depois, o Marista São Luís também se junta ao movimento.

De volta às origens

Em 2024, o movimento escoteiro de Santa Cruz do Sul passou a contar com um quarto grupo, o Mauá. Sua fundação representou a consolidação do trabalho iniciado em 1916 pelo pastor Ernst Lechler, que atuava como diretor da instituição de ensino (a Deutscher Realschule), responsável por fundar o Santa Cruzenser Pfadfindergruppe, um dos primeiros grupos do Rio Grande do Sul.

“Depois de muito tempo, o escotismo retornou ao colégio”, celebra o diretor do Colégio Mauá, Nestor Raschen. Para ele, o pastor Lechler deixou um legado fantástico, sobretudo na formação humana, uma vez que o grupo de escoteiros auxilia na disciplina, no trabalho de equipe e na construção de valores para melhorar a sociedade e torná-la mais solidária. 

Raschen observa ainda que, diante da atual conjuntura, na qual a juventude domina a tecnologia e faz uso constante dela, o escotismo é uma atividade que pode contribuir. “No tempo em que estão envolvidos com as atividades,  os alunos estão longe das telas. Isso é muito importante. Não adianta tentar somente proibir as telas, há que se oferecer atividades atraentes. E o escotismo é, sem dúvida, uma grande oportunidade para a formação de uma geração mais saudável e feliz.”

Guardião da memória

Iury Schmidt pesquisou a história do movimento

Chefe do grupo de escoteiros do Mauá, o professor de História Iury Schmidt iniciou sua carreira no museu da instituição de ensino em 2019. Um dia, recebeu a doação de duas fotografias antigas que exibiam uma parada de escoteiros e outra do chefe do grupo com as crianças. As imagens despertaram sua atenção.

Já em 2023, quando o colégio decidiu fundar o grupo, Schmidt assumiu a tarefa de fazer uma pesquisa sobre a história do movimento, que estava associada ao Mauá por meio do pastor Lechler. 

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Além de entrevistas, Iury buscou vários documentos. Muitos estavam em alemão gótico, do início do século 1920. Durante a jornada, sentiu-se pertencer a um momento histórico do município. “Eu me senti parte de uma história que até então, para mim, era só uma foto. Era uma coisa desconhecida, mas acabou que se tornou parte de mim”, admite.

Para Schmidt, o movimento de Santa Cruz é resultado de desbravadores da comunidade, que tiveram a coragem e a determinação para melhorar a vida no município. “Hoje somos herdeiros de todos esses desbravadores.”

Amigos da natureza

Desde o nascimento do escotismo, o movimento tem uma forte conexão com o meio ambiente. O professor de História Iury Schmidt ressalta que o fundador Baden-Powell inspirou-se nas experiências que teve com as tribos indígenas da África do Sul. “O escotismo, por essência, é um movimento indigenista, conectado diretamente com a tradição da terra, as heranças culturais dos antepassados, a natureza em si”, afirma. 

Segundo Schmidt, o jovem que se torna escoteiro faz a escolha de viver em meio à natureza. Assim, é ensinado a preservá-la e cuidá-la para as próximas criações. “Pelo uso da terra, cria-se o respeito e se desenvolve a conexão com o meio ambiente.”

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E para garantir um bom convívio com o meio ambiente, o movimento trabalha pela manutenção e cuida para que suas atividades não gerem impactos negativos. Materiais como copos, pratos e talheres são reutilizáveis, reduzindo o acúmulo de lixo. Também são feitas atividades voltadas à preservação, incluindo o Mutirão Nacional Ecológico (Muteco). 

Desde que foi criado em Santa Cruz, o grupo de escoteiros criou um forte vínculo com a natureza local. Nas suas pesquisas, Schmidt encontrou relatos do que conheceram durante as atividades, deparando-se com “belas paisagens que nos faziam orgulhosos de ter uma pátria tão maravilhosa como o Brasil”.

Eles atravessavam cursos de água e subiam montanhas, notando-se um respeito total com o meio ambiente, sem nenhuma menção contrária a isso, o que evidencia o cuidado com a natureza.

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